domingo, 26 de fevereiro de 2023

O direito de educação para jovens e adultos com deficiência

Jovens e adultos com deficiência constituem hoje ampla parcela da população de analfabetos no mundo porque não tiveram oportunidades de acesso à educação na idade apropriada, e pelo longo período de reclusão a que foram submetidos dentro de seus próprios lares ou institucionalizados, impedidos de desfrutar de convivência social.

Desde a publicação da Declaração de Salamanca em 1994, foi desencadeado um processo mundial de mudanças em políticas públicas destinadas a garantir o direito à educação de grupos sociais em situação de desvantagem e risco contínuo de exclusão. A íntegra do documento conclama governos de todos os países-membro das Nações Unidas a contemplarem em suas agendas, entre outros grupos, os afrodescendentes, os ciganos, os vários grupos étnicos, as pessoas com deficiências, aqueles que vivem em áreas rurais e zonas remotas, etc. A partir daí, países em todas as partes do mundo iniciaram algum tipo de ação para tornar seus sistemas educacionais mais igualitários (UNESCO 1999, UNESCO 2001). Na mesma de tais mudanças, ao longo dos últimos anos, o sistema educacional brasileiro está imerso em orientações políticas e legais que refletem o compromisso com uma política de inclusão de abrangência social.

Constituição Federal em seu artigo 208 estabelece que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 04 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria, dentre outras coisas.

Aqueles que não tiveram acesso em idade própria são inseridos nas turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), gozando de todas as demais prerrogativas legais, nesse caso, especialmente no que tange à oferta de atendimento educacional especializado (AEE). Tem sido cada vez mais comum a tentativa de matrícula de pessoas com deficiência acima dos 25 anos no ensino fundamental, e nestes casos, a oferta de educação na modalidade EJA e a garantia de AEE não configuram negativa ao direito de acesso à educação, e sim adaptação ao ciclo escolar correspondente.

De acordo com o Parecer CNE/ CBE n. 11/2000 (BRASIL, 2000), a EJA “representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela” e, ainda, que “ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea”. Em virtude destas condições, o documento enfatiza as funções da EJA, definindo-as como reparadora (acesso aos bens culturais aos quais os sujeitos deveriam ter tido na idade própria, por meio de um ensino de qualidade), equalizadora (pretensão de atingir toda a classe trabalhadora que não teve acesso à educação na idade apropriada, permitindo desenvolver suas habilidades e ampliar suas participações no mercado de trabalho) e qualificadora (ou permanente, cujo objetivo é garantir a educação continuada para a formação de uma sociedade educada para o progresso).

Dessa forma, uma vez consideradas pelos projetos educacionais, as funções da EJA abrem-se como um espaço inclusivo e acolhedor para a clientela de jovens e adultos com deficiência que agora chegam às escolas depois de anos de reclusão em suas casas ou em instituições especializadas.

Cabe ressaltar que a obrigação familiar para facilitar o acesso do educando a escola é solidária ao Estado, devendo a família colaborar para sua inserção no ensino ofertado, caso seja de interesse proporcionar escolarização contínua ao aluno, visto que sua idade não corresponde à faixa de escolarização obrigatória.

Considerando que a função da escola se diferencia de atividades próprias da assistência social, da saúde e de terapias ocupacionais, aos sistemas de ensino cabe garantir aos alunos com deficiência, além do acesso ao ensino regular, as condições de participação e aprendizagem. Neste contexto, a educação especial é definida como modalidade de ensino transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, integrando a proposta político pedagógica da escola e, portanto sendo plenamente possível na EJA.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica (RES CNE/CEB 04-2010), o respeito aos educandos e aos seus tempos mentais, socioemocionais, culturais e de identidade é um princípio orientador de toda ação educativa, sendo responsabilidade dos sistemas a criação de condições para que crianças, adolescentes, jovens e adultos, com sua diversidade, tenham a oportunidade de receber a formação que corresponda à idade própria de percurso escolar.

O mesmo documento estabelece em seu artigo 21:

São etapas correspondentes a diferentes momentos constitutivos do desenvolvimento educacional:

I - a Educação Infantil, que compreende: a Creche, englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a Pré-Escola, com duração de 2 (dois) anos;

II - o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, com duração de 9 (nove) anos, é organizado e tratado em duas fases: a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro) anos finais;

III - o Ensino Médio, com duração mínima de 3 (três) anos.

Parágrafo único. Essas etapas e fases têm previsão de idades próprias, as quais, no entanto, são diversas quando se atenta para sujeitos com características que fogem à norma, como é o caso, entre outros:

I - de atraso na matrícula e/ou no percurso escolar;

II - de retenção, repetência e retorno de quem havia abandonado os estudos;

III - de portadores de deficiência limitadora;

IV - de jovens e adultos sem escolarização ou com esta incompleta; (grifo nosso).

De acordo com a Declaração de Hamburgo, 1997, para que haja exercício pleno da cidadania, o diálogo deve fazer parte do processo educativo, social, econômico e cientifico. Compreendemos que a educação inclusiva e EJA, ambas estão atreladas em uma proposta de favorecer este diálogo e o egresso dos alunos, que por diversos motivos abandonaram seus estudos, pois educar os adultos é antes de tudo, envolvê-los num projeto educacional.

Sendo assim, a oferta da modalidade EJA com garantia de acesso ao AEE, deve ser considerada como validação do direito de acesso à educação para pessoas com deficiência fora da idade de escolarização obrigatória, em respeito às peculiaridades de sua idade cronológica, o nível de escolarização ou a ausência dela, bem como o restante da clientela que interagirá com o educando propiciando preparo para o convívio em sociedade na sua faixa etária correspondente.

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